O autoengano, muito bem retratado no livro do filósofo e economista Eduardo Gianetti, é um processo mental que faz com que nós, em determinado momento, aceitemos como verdadeira uma informação tida como falsa em outro momento. Sabe aquela nossa mania de adiantar o relógio para não chegar atrasado a compromissos? É autoengano.
O autoengano pode ser uma arma muito nociva ao empreendedor social, pois pode fazer com que este não enfrente os obstáculos naturais de sua atividade.
Sempre acreditei que a melhor forma de enfrentarmos obstáculos é conhecê-los antecipadamente para que assim possamos preparar uma forma de superá-los.
É claro que muitas vezes não poderemos nos antecipar, mas sempre que isso for possível teremos uma vantagem de reação. Obstáculos devem ser contornados, vencidos e superados; não devem ser motivos de fracasso.
E sim, como em qualquer outra atividade, no empreendedorismo social também existem obstáculos.
Vamos a eles:
1) Problema social e ideia de solução
Todo empreendimento social nasce a partir da identificação de um problema na sociedade - seja ele de educação, saúde ou lazer, como exemplos – e propõe uma forma de corrigi-lo.
A correção se dará por meio de uma empresa que lucrará ao tempo em que resolve um problema social que o Estado não conseguiu resolver. Por exemplo, a escola de inglês 4 You 2 traz estrangeiros que se hospedam e favelas e ministram cursos de inglês aos seus moradores.
Portanto, se o empreendedor não identificar corretamente o problema social e se sua ideia de solução não for realmente uma oportunidade, o negócio será todo planejado e estruturado em bases frágeis, o que pode comprometer o seu futuro e desempenho.
E isso é comum: muitos dos empreendedores sociais, por serem idealistas e sonhadores, deixam de lado a racionalidade nesse momento e agem - transbordados de emoção - para ajudar o próximo. Apesar de ser uma forma muito admirável, não seria empreendedorismo social, e sim filantropia.
Sendo assim, a identificação de problemas, a geração de ideias e a análise de oportunidades deve ser a primeira e mais exaustiva etapa do processo empreendedor.
2) Compreensão do mercado
Com a oportunidade estruturada para solucionar determinado problema, o empreendedor social por vezes peca na compreensão do mercado que vai atuar.
O mercado é composto por determinado produto/serviço que será ofertado pelo empreendedor, por clientes que irão utilizá-lo, por fornecedores de diversos tipos e por concorrentes (sejam eles diretos ou indiretos).
A dimensão, composição, caracterização e localização são alguns dos aspectos de mercado que são mal compreendidos por alguns empreendedores sociais.
Os clientes em potencial às vezes não estão preparados para receber o produto ou serviço em questão. Culturalmente eles não veem necessidade naquela “proposta mágica” que você está levando. Por que você acha que um morador de um vilarejo distante e isolado passaria a usar um complexo vitamínico que você está vendendo, por exemplo?
Os empreendimentos sociais devem ter possibilidade de escala, ou seja, o empreendimento deve atingir determinado tamanho para se tornar financeiramente viável e mais: surge em nível local, mas podendo crescer até dimensões regionais, nacionais e globais. Quanto mais pessoas o negócio ajudar, e mais lucro tiver, melhor.
3) Capital financeiro
De forma simplista, existem dois tipos básicos de capital necessários para a realização de um empreendimento: o investimento inicial e o capital de giro.
O primeiro trata de todo o investimento necessário para o negócio começar a funcionar; o segundo para o negócio continuar funcionando até conseguir se manter por conta própria. O primeiro é para abrir, o segundo para continuar. O primeiro inaugura, o segundo perpetua.
Compreender essa divisão é o primeiro passo. O segundo passo é mais simples: ter o capital! (risos)
O capital de investidores disponível para empreendedores sociais têm crescido no Brasil, mas ainda é pequeno. Existem opções tradicionais de financiamento – bancos, linhas de crédito- e os famosos financiamentos coletivos (adoro e apoio o Catarse) http://catarse.me/pt/projects
O Sebrae e o Endeavor, por entenderem essa dificuldade dos empreendedores, oferecem diversos cursos em EAD sobre o assunto.
4) Capital humano
Um dos livros mais aclamados no mundo por empreendedores e executivos bem sucedidos é Empresas Feitas para Vencer, de Jim Collins.
O autor, dentre diversas outras afirmações que tornaram o livro famoso, diz que ao estruturar uma empresa pense “primeiro quem...depois o quê”. Ou seja, antes de pensar o que irá fazer, pense nas melhores pessoas para estarem ao seu lado, nos melhores sócios e nos melhores colaboradores. As organizações são feita de pessoas e ótimas organizações são feitas com pessoas certas.
As grandes organizações gastam fortunas para recrutar e selecionar bons profissionais porque sabem disso, mas também porque sabem que nem sempre é fácil encontrar a pessoa correta para a posição certa.
Do outro lado, no mercado de demanda por trabalho, alguns profissionais acham que o empreendedorismo social é um setor volátil e não o procuram. Outros o confundem com filantropia ou com empreendimentos tradicionais, o que também dificulta a colocação.
Pense nisso desde o início do negócio.
5) Plano de negócio
Plano é o resultado do planejamento do negócio. É um documento que detalha todas as características de um empreendimento ao mesmo tempo em que atua como uma ferramenta de gestão.
É a credencial, o currículo, a identidade, o check up anual, enfim, é uma visão geral do negócio que todo potencial investidor ou sócio irá cobrar de você na primeira oportunidade.
Um plano de negócio bem elaborado não garante o sucesso, mas aumenta potencialmente – segundo dezenas de pesquisas – a possibilidade de alcançá-lo.
Sites como o FazInova, Sebrae e Endeavor oferecem cursos interessantes sobre planos de negócios, porém para empreendimentos tradicionais. Em breve publicarei aqui um post sobre os componentes de um plano de negócio para empreendimento social.
6) Burocracia brasileira
As principais pesquisas sobre empreendedorismo tradicional, Doing Business 2014 e Relatório GEM 2013, trazem um panorama profundo sobre o mercado empreendedor.
Um dos pontos que o mercado brasileiro sempre se destaca negativamente é a burocracia: abrir empresa, obter licenças e alvará, recolher impostos - só para ficar em alguns exemplos - são atividades extremamente complicadas aqui se comparadas com outras nações.
O empreendedor brasileiro deve ter consciência disso para planejar seu empreendimento contando com a realidade e não ser surpreendido já com o negócio em funcionamento ou em fase de investimento.
Cabe também ao empreendedor cobrar, por meio de seus representantes eleitos (deputados, senadores, governadores e presidente), uma ação mais eficiente para que ambiente empreendedor se torne mais acolhedor.
7) Dificuldade de gerenciamento
Quando o negócio já está em funcionamento, o empreendedor social precisa administrá-lo.
Pode parecer óbvio, mas grande parte deles não possui competências – conhecimentos, habilidades e atitudes – necessárias para gerenciar um negócio. Nesse caso, todo o processo realizado até este momento é colocado em jogo, e uma oportunidade muito bem estruturada pode ir por água abaixo por mau gerenciamento.
Aliás, várias pesquisas afirmam que um dos principais motivos para o fracasso dos negócios logo no primeiro ano é a falta de competência do empreendedor para administrá-lo.
Mais uma vez o Sebrae e o Endeavor trazem diversos cursos de gerenciamento de empreendimentos.
8) Equilibrar retorno financeiro com impacto social
Aliar retorno financeiro a impacto social é, e sempre será, uma dificuldade para o empreendedor social. As dificuldades provenientes dessas características, que é chamada em inglês de double botton line, podem aumentar ainda mais se o perfil dos sócios for diferente ou se o perfil dos empreendedores e dos investidores também o for.
Em algum momento pode se chegar a um trade-off entre aumentar o retorno financeiro e diminuir o impacto social ou aumentar o impacto social e diminuir o setor financeiro. E aí?
E qual é o nono obstáculo? Claro que é o autoengano.
Independentemente dos obstáculos, empreendedores sociais têm um grande potencial. É um mercado ainda novo e repleto de oportunidades para aqueles que decidirem explorá-lo.
Empreendedores sociais têm a oportunidade de resolver problemas, gerar emprego, ganhar dinheiro e mudar o mundo!
Felicidades! GC